King

Perdido em devaneios ele se encontrava, braços tensionados sob a fraca luz de leitura, que agora piscava, demonstrando os primeiros sinais de desgaste, a boca que casualmente ia de encontro ao copo com o liquido cor âmbar em seu interior,  tentava se desprender daquele silencio. Queria rasgar aquela fina e impermeável placenta que atrofiava seus pensamentos. As palavras se desprenderam. Apenas um leve gemido pairou suspenso no ar, como o anuncio de tempestade de verão, o ar rarefeito, que por alguns segundos, adormece tudo ao seu redor. Ele estava sozinho. Apenas seu coração batia, naquela sala pouco iluminada de um quarto de hotel.
Talvez estivesse ficando louco, pensou o homem que agora abrira a janela e lentamente preenchia cada centímetro de seus pulmões com aquela brisa noturna. O porco, o porco chafurdava a lama em sua mente, devorando, remoendo, encobrindo, qualquer vestígio de seu passado. Ele não podia deixar aquilo acontecer, ele deveria se apegar ao passado, não podia esquecer quem ele era...mas como lembrar do que um dia ele foi, se o que ele havia se tornado era mais importante naquele momento?
Passos apressados dentro do quarto abafado. Suspiros. Gemidos. Lagrimas.
A busca da fama, da imortalidade, havia dado espaço ao porco cruel, que lhe impedia ser quem realmente era. O que ele havia se transformado? Ora, ele era o porco, o animal que encobria e cruelmente triturava qualquer pedaço de alegria, engolia a seco os restos daquele homem que buscou de forma obsessiva aquilo que havia se tornado. Talvez aquilo fosse bom, é, talvez o animal fosse seu guia, na tentativa de alcançar um ser superior, forte: um artista.
Duas batidas ocas na madeira da porta da suíte lhe despertaram. Mal percebera ele que seus dedos estavam pressionados sobre a face, que por sua vez estava úmida das lagrimas amargas.
- Senhor, está na hora, precisamos ir...a pouco sua presença será anunciada.
- Oh sim...saio em um minuto. – ele disse, enquanto tentava açoitar o animal que agora procurava um esconderijo, não um ponto de fuga, apenas um esconderijo, onde a qualquer momento pudesse se rebelar e novamente perturbar mal tratar, triturar aquele frágil homem.
Lentamente se despiu de suas poucas roupas e do que restava da pessoa que um dia foi, e se recompôs, se vestiu como rei, coroado de falsas aparências.
Ele era um rei. 

0 comentaram: